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quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Depressão Mirim



Tenho muito presente na minha memória uma cena assombrosa da minha infância. Aos 6 anos eu estava na primeira série, em minha terra natal, Cachoeira do Sul, minha mãe trabalhava em um banco e morávamos num prédio, em frente a uma praça. Nessa época tínhamos uma empregada, a Deth, das poucas imagens que eu tenho dela eram os cabelos escuros e cacheados, a voz alta e o péssimo gosto musical.
Péssimo porque aos 6 anos eu já tinha um gosto musical latino e refinado. Ouvia os lp’s da minha mãe, meu predileto era o do Gipsy Kings. Colocava no volume máximo, vestia uma saia de prenda e dançava na sala ao redor de uma fogueira imaginária o baila baila baila, baila baila me! Isso sem contar em Fagner, Carlos Oliva y Los Sobrinos, Sandra de Sá e RPM e o famoso Olhar 43. Mais ou menos nesta época meu pai comprou um aparelho completo, com LP, fita k7, rádio, gravador e CD. A coisa mais moderna da época.  Com tudo isso não havia condições de compartilhar a trilha sonora com a Deth, que insistia em escutar a 96 FM, uma rádio lá de Cachoeira que toca sertanejo, gauchesco, Vando, Amado Batista e outros sucessos de gosto duvidoso.

A cena que até hoje assombra minha memória era de todo dia no final da tarde, quando a Deth encerrava seu expediente e eu iniciava meu plantão de espera pela chegada da minha mãe. A Deth se posicionava com o pé na porta e os ouvidos no radinho. O banco fechava as 15hs, até minha mãe fechar o caixa, fazer reunião, sair, passar no mercado e chegar em casa, demorava mais de duas horas. Em horário de verão tinha sol na rua ainda. O ruim era no inverno. A partir das 17hs eu ia para a janela esperar minha mãe. Não tirava o olho da escadaria da pracinha por onde eu sabia que ela ia passar. Enquanto isso a Deth nervosa calculava o horário do ônibus, soltava os cabelos e ouvia as mais pedidas da 96 FM. Nada, poderia ser mais cruel que este momento. Pois no inverno de 1992 uma música do Sérgio Reis fazia muito sucesso e todo o santo dia naquele mesmo horário ela tocava. O refrão dizia assim:

“Chuva fina no meu parabrisaaaa
 Vento de saudade no meu peito
 Visibilidade destorcida, pela lágrima caída
 Pela dor da solidão...

 É chuva no meu parabrisaaa”

Me diz Brasil, o que pode ser mais deprimente do que isso?
Naquela época não havia telefone celular, as vezes minha mãe ligava avisando que ia chegar um pouco mais tarde. Mas as vezes não. Fazia chuva ou sol, lá pontualmente lá estava eu, vendo escurecer, vendo a chuva cair, vendo o vidro da janela ficar embaçado pela minha respiração, vendo os minutos passando, percebendo a ansiedade da Deth e com a sensação de que a mãe só podia ter morrido por tamanha demora. Mais deprimente que isso, era só a chuva fina que insistentemente caia no parabrisa do Sérgio Reis, que tocava ao fundo.

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